Voltei pra casa tarde, tropeçando nas correntes do portão. Se os vizinhos reclamarem, culpo o vento — sempre funciona.
Minha geladeira perdeu a porta, mas segue firme: basta não encostar. O chuveiro? Aposentado. Banho de balde é mais raiz. A TV, sem antena, insiste em pegar só a Band. Melhor assim: tenho Os Simpsons como companhia.
Sexta-feira é dia de visita. Diana e sua gaita afinadíssima. Ela é circense e stripper em Guarulhos, morena, linda, cabelos lisos e longos, corpo todo tatuado, sorriso divinal.
Rimos, toco violão, bebemos, cantamos, dançamos — e, quando percebemos, estamos sem roupa. Não sabemos se é amor, mas concordamos: é uma boa desculpa pra despistar a solidão.
Enquanto isso, seguimos fiéis ao nosso ritual de fim de semana: vinho seco que arranha a garganta, charuto pesado e reflexões profundas sobre a vida ou sobre como escovar os dentes das bocas do meu velho fogão. Geralmente à luz da única lâmpada da casa, que carregamos de cômodo em cômodo como se fosse tocha olímpica.
No fim das contas, talvez seja isso: liberdade é ter alguém que queira simplesmente estar, que te entenda e compartilhe a arte de rir do próprio caos.
Márcio Diniz
04/11/2016 – Vila Margarida, Itaguaí, RJ