Não carrego habilidades raras.
Vivo o dia como quem cumpre um ofício antigo: desperto, caminho, retorno, preparo o jantar.
Tudo segue o curso previsível daquilo que se repete.
E, no entanto, há uma parte de mim que insiste em escrever.
Não escrevo por vaidade, tampouco por esperança, escrevo porque é o único modo de suportar.
As palavras me dão a ilusão de que posso suspender, ainda que por um instante, o peso de existir.
A outra metade... essa, talvez, não esteja aqui.
Talvez se tenha perdido em algum lugar invisível, movida pela vontade cega que me arrasta, mesmo quando não quero ser arrastado.
E assim sigo, dividido entre o nada e o instante.
Rendido ao eterno vaivém entre dor e tédio, encontro nas pequenas distrações, o fogo do fogão, a página em branco, a respiração de quem chega tarde, um alívio breve.
Como se cada gesto fosse apenas a tentativa de adiar o colapso, de fazer da rotina um abrigo frágil contra a noite.
No fim, talvez seja isso: viver é aprender a suportar o vazio com alguma dignidade.
E escrever é apenas a forma mais silenciosa de resistir.
Márcio Diniz
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