sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Outro fragmento de: "O Palácio dos vales", o romance que escrevi











-Pode falar parceiro, estou na escuta.
Beto atende o telefone enquanto desce do ônibus que faz a linha Central - Vale dos Reis e segue caminhando às pressas, em direção a outro ponto de ônibus para embarcar no ônibus que já está de saída.
-Beto, estou te aguardando aqui praia do Leme.
Diz Pastor.
-Tranquilo, Pastor. Já estou dentro do ônibus, daqui há alguns minutos *tô brotando por aí. Já é?
-Essa parada, meu parceiro. Viu se alguém te seguiu? Diz Pastor parecendo estar preocupado com algo.
-Qual foi parceiro? Tu tá pensando que eu sou algum otário? *Palmeei tudo antes de dar esse perdido.
-O Hanóy já sabe que eu tenho uns *caôs pra *desenrolar fora da favela. Por isso que eu to tranquilo. Ninguém é maluco de me seguir, rapaz!!
Fique tranquilo, vou até aproveitar que vou aí, na Praia do Leme pra *pagar um pingo nessa água aí.

Já é então parceiro. Pastor fala isso e em seguida finaliza a ligação.
Beto guarda seu telefone no bolso. Ele já se encontra dentro do ônibus, enquanto sente seu corpo sendo pressionado por alguém que passa por ele e logo depois, para e fica de pé, de frente para ele.
-Caralho!! Mas, que merda!! Essa porra desse ônibus vive lotado, porra? Beto reclama em voz alta e bastante irritado.
-Moço, se você não gosta de ser espremido, sugiro que compre um carro. Respondeu a pessoa que havia passado por ele e o pressiomado contra os outros passageiros. Era uma mulher, uma bela mulher.
Beto olha fixamente pra ela, enquanto ela continua o seu sermão: Não gostou não? Compre um carro pra você. Assim você não vai mais ser pressionado e ainda por cima, vai poder ir e voltar para onde quiser, a hora que quiser.
Ao ouvir isso Beto fica muito nervoso, chega até mesmo a colocar a mão na cintura e a pensar: vou dar um tiro bem no meio da cara dessa filha da puta. Onde já se viu? Falar assim comigo no meio de todo mundo? Se essa piranha soubesse com quem está falando, garanto que não teria essa coragem.

Beto pensou bem e viu que não podia fazer isso. Pelo menos, não ali. Não naquela hora. Pensou bem e preferiu ficar calado e apenas observar aquela bela mulher que ainda estava na sua frente, olhando para ele, com certo desdém.
-Não aguento mais essa porra de ter que pegar ônibus. Beto gritou. Dessa vez, mais alto ainda do que na primeira vez.
-Moço...
Beto ouve uma voz suave e em tom de muita tranquilidade.
Ele olha para o seu lado e vê uma senhora bem baixinha, gordinha, totalmente pressionada, sufocada e desconfortável em meio aos outros passageiros.
-Eu pego esse ônibus todo dia nesse mesmo horário e ele sempre está lotado. Se o senhor tiver condições de fazer o que a moça falou com o senhor naquela hora, faça porque o senhor vai se sentir melhor, moço.
Não quero que o senhor me leve à mal mas, eu nunca vi o senhor por aqui antes.
Beto olhou bem para aquela mulher... Ele não costuma sentir pena de ninguém, mas, ao ver as condições daquela senhora. Ela aparentava ter uns cinquenta e poucos anos. Parecia estar bastante cansada pela lida do dia a dia. Tinha também, roupas simples, um cabelo enorme e falava manso e trazia consigo uma bolsa enorme. Provavelmente, coisas que utiliza no seu dia a dia de trabalhadora. Essa mulher deve ser *bíblia", pensou.

Em seguida, olhou para fora do ônibus, que a essa altura, passava em frente a uma agência de veículos, ele olha para a agência e vê diversos modelos de carro, todos lindos, limpos e principalmente: vazios e espaçosos, ele olha para dentro da bolsa que ele carrega consigo, e vê o montante de dinheiro (muito dinheiro mesmo), fruto do que ele desvia todo dia da boca-de-fumo do seu amigo e comparsa Hanóy.
Dinheiro que aliás, ele está indo entregar nas mãos de Pastor, seu comparsa, para guardar e aplicar em algum plano diabólico de traição contra o negócio do seu até então, melhor amigo.
Então, ele olha para ela de novo. A mulher, sem entender nada, vendo-o meio que em estado de transe, diz:
-Moço, o senhor está se sentindo bem?
-Sim, estou muito bem, aliás, nunca me senti tão bem em toda a minha vida. Respondeu Beto, já motivado a descer do ônibus e tomar uma atitude totalmente inesperada.
-Motorista, pare este ônibus agora!! Vou descer!! Beto diz isso e em seguida tenta descer, quando é impedido pelo cobrador que não permite que o motorista abra a porta para ele descer.

Beto então, pergunta:
-Não vai deixar eu descer não?
-Depois que o senhor pagar pela passagem, o senhor poderá descer e seguir para onde quiser. Responde o cobrador sorrindo para ele, como se tivesse pensando que ele quisesse dar o famoso *calote".
-Beto então diz: porra!! Esqueci que eu não estou na favela (é que na favela Vale dos Reis, ninguém paga passagem de ônibus, devido a uma ordem dada por Hanóy, chefe do tráfico à empresa de viação que faz a linha Central - Vale dos Reis). Ele diz isso, enquanto abre a sua bolsa, pega uma boa quantia em dinheiro, entrega para o cobrador e diz: eu não sei quanto custa essa merda de passagem aí, mas, tá tranquilo, pode ficar com o troco.
O cobrador fica surpreso, pois o que ele entregou nas mãos dele, é mais até do que o seu próprio salário que ele levaria o mês inteirinho para conquistar.
-Muito obrigado, senhor!! Responde o cobrador. Dessa vez, mais alegre do que nunca.
-Aguarde só mais um pouquinho!! Disse Beto ao motorista.
Ele abre novamente a sua bolsa, pega vários maços de dinheiro, entrega nas mãos da senhora que havia conversado mansamente com ele e diz olhando para ela:
-Dona, eu vou seguir o conselho da senhora: vou comprar um carro pra mim agora mesmo.
-Pegue este dinheiro e compre um para a senhora também!!
Mesmo sem acreditar no que está acontecendo, a senhora pega naqueles maços de dinheiro.
Neste mesmo instante, ouve-se uma voz dizendo:
-Espere aí!! Fui eu quem lhe deu essa idéia!!
Beto e a senhora olham para o lado e veem a mulher que havia dito aquelas coisas para ele.

Beto olha para ela e responde tranquilamente:
-Tem razão, foi você mesma!
-Pois é... Diz a mulher. Agora, falando mansamente, meio que, insinuando-se.
-Realmente foi você que disse isso para mim.
-Só que eu não gostei da maneira como você falou.
Beto diz isso e simplesmente desembarca do ônibus.

Em seguida, no próximo ponto de desembarque, uma senhora desembarca de um coletivo. 
Feliz da vida com o presente que havia acabado de receber de um estranho.
Seria mesmo Obra dO Deus que ela serve? Ela acredita que sim.

Ao mesmo tempo, olha para o céu, dá um longo suspiro, abre um sorriso, faz o Sinal da Cruz e embarca no primeiro táxi que passa por ali.


*Dialeto "Carioquês" usado nesse fragmento:

Tô brotando = estou aparecendo, estou chegando
Caô = problema, assunto
Desenrolar = resolver, conversar
Palmear = Conferir, visualizar
Pagar um pingo = tomar um banho, dar um mergulho
Calote = sair sem pagar
Bíblia = Crente, Cristão, Servo de Deus

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Outro fragmento de "O palácio dos vales", o romance que escrevi












-A senhora deseja mais alguma coisa?
Diz a gentil atendente da loja, ao mesmo tempo em que entrega um embrulho de presente.
-Até que eu gostaria de levar aquele óculos, só que hoje não vai dar. Meu dinheiro está curto e tudo nessa loja é muito caro... Diz a  cliente, enquanto recebe o embrulho em suas mãos.
-Moça, de qual óculos que você gostou?
A mulher olha para o lado e vê um belo jovem, muito bem vestido, sorrindo para ela.

Seu sorriso parece o de um anjo.
-Eu te conheço de algum lugar? A mulher pergunta, surpresa.
-Ora, por quê? Responde o rapaz.
-Perdoe-me, é que eu não costumo aceitar presentes de estranhos... Diz isso e em seguida, sai de perto do jovem, em direção à porta de saída da Boutique.
Ele a toca com delicadeza no braço e diz:
-Então tá: posso saber qual é o seu nome?
-Pillar. Responde.
Pois é, Pillar: é que quando ouvi você falar do óculos, eu pensei: esse óculos é realmente lindo. Mas, sem você, por mais lindo que ele seja, ele é apenas um óculos
-Eu também acho que sou linda, obrigada. E acho que mesmo sem o óculos, continuarei linda, e daí? Respondeu Pillar em tom de ironia, já pensando em deixar o rapaz, ali, falando sozinho.

-Pois é... Continuou... Dessa vez, se aproximando dela. E bem pertinho do seu ouvido, ele sussurra:

-Esse óculos, apesar de ser lindo, sem você, será apenas um óculos. Você sem ele, continuará sendo essa mulher linda, continuará sendo você.
Agora, imagine se pudermos unir você e ele?
Imagine: você, com este belo óculos enfeitando ainda mais esse seu lindo rostinho...
Aceite, Pillar. Não é nada demais aceitar um mimo, vez e quando.
De repente, Pillar se encantou com aquele rapaz. Não pelo presente em si. Mas, pela sua atitude, sua maneira de falar. Ela jamais havia conhecido alguém assim, como ele. Parecia tão sincero, tão seguro, tão sedutor, tão... Ela não conseguia encontrar mais nenhum adjetivo que definisse o comportamento daquele jovem, ou, a atração que, subitamente, ele passou e exercer sobre ela.
E ele realmente a atraiu.
-Está bem, eu aceito. Disse isso e em seguida, deu um belo sorriso.
Ele retribuiu o sorriso.
-Pode embrulhar este óculos para esta moça, senhora?
Ordena, enquanto retira do bolso uma grande quantia em dinheiro. Muito dinheiro mesmo.

Ela acha estranho e pensa: como pode alguém andar com tanto dinheiro assim?
No momento em que ele paga pelo óculos, ele o pega com a atendente e com as próprias mãos, coloca-o delicadamente no rosto de Pillar.
Se aproxima dela e dessa vez, é ela que sussurra em seu ouvido:
-E eu? Posso saber o nome da pessoa que acaba de me presentear com este lindo óculos?
-O jovem sorri, olha para ela e diz: não.
-Pelo menos, não agora.
Ela, desapontada, suspira e em seguida, diz:
-Mas, isso não é justo. Eu já lhe disse o meu nome.
E ele, agora sorri ainda mais:
-Pois é, se alguém lhe disse que há alguma justiça nesse mundo,é bem certo que esse alguém esteja tentando te iludir.
-Não posso te dizer o meu nome. 

Pelo menos: não agora.
Neste instante, seu telefone toca. Ele atende, conversa por alguns segundos, vai até a porta, chama dois homens para dentro da loja, saca uma pistola, dá dois tiros para o alto e em seguida aponta em direção ao rosto da atendente e diz tranquilamente:
-Moça isso é um assalto!! Passe toda essa grana que você tem aí.
-Não se mexa! Eu não gostaria de fazer mal a ninguém presente neste agradável recinto.

-Se todos cooperarem, isso terminará logo. Ainda tenho muito o que fazer hoje.
-Dessa vez, sua voz está ainda mais firme.
Mesmo muito nervosa e trêmula, a atendente faz tudo o que ele ordena.
Outros clientes são revistados e tem seus bens subtraídos pelos outros dois indivíduos que adentraram na loja, momentos antes.
Enquanto a atendente entrega o dinheiro e as jóias para o jovem, ele ordena que um dos homens chame uma das atendentes e ordena para que ela leve o homem até outra sala e abra o cofre da loja.
Enquanto isso, ele olha para o lado e vê a moça que acabou de conhecer.
Ela está de cabeça baixa e aparentemente muito assustada.
Ainda olhando para ela, ele pergunta para a atendente:
-Moça, quanto custou aquele óculos que comprei para aquela bela mulher?
Mesmo assustada e sem entender nada, a atendente diz o valor.
Ele enfia a mão em seu bolso. Mais uma vez retira o dinheiro, e a entrega.
Ele vai até Pillar, olha carinhosamente para ela e diz, como que se confessando:
-Seria uma grande indelicadeza da minha parte, não pagar pelo presente que acabei de lhe dar.

Dito isto, dessa vez, ele olha firme para Pillar, chama a sua atenção e complementa:
-Entendeu agora moça, porque eu não podia falar o meu nome pra você?
-Espero poder encontra-la por aí.
-Você vem sempre aqui?
-Sim.
Respondeu, assustada:
-Venho. Sempre que posso.
-Moça, cuidado, por onde você anda...
-A violência hoje está tão grande, que não estamos mais seguros em lugar nenhum.
Enquanto ele fala, seu telefone toca novamente. Ele atende, fala por mais alguns segundos, chama os homens novamente e diz para todos que estão no interior da loja:
-Senhoras e senhores, sejam bem-vindos ao Rio de Janeiro.
-Essa cidade ama receber cada um de vocês!!
Voltem sempre!!
Agora, se quiserem permanecer vivos para terem a oportunidade de voltar à cidade maravilhosa, para gastar toda essa grana de vocês, é extremamente importante vocês não saírem de dentro dessa boutique por cerca de dois minutos.
-O que são dois minutos, em relação a uma vida inteira, não é mesmo?
-O que são alguns milhares de reais, em vista da fortuna que vocês ostentam, ou ainda poderão ostentar durante o resto da vida de vocês?
-Desde que vocês, por dois minutos apenas: Permaneçam aí, quietinhos, onde vocês estão...

Tendo dito isso, ele e seus comparsas saem tranquilamente da loja, enquanto educadamente, cumprimentam um cliente que acaba de adentrar no estabelecimento, sem imaginar o que acabou de acontecer.
E assim, Pixote entra na vida de Pillar, para nunca mais sair...


Márcio Diniz.

Deixa eu te sentir ( Boa Nova ) - letra de música

  Se você Seguir o seu coração  Vai saber A verdadeira intenção.  Procuro sempre o equilíbrio  Da situação , Mas nada me fascina mais que o ...